No dia em que o dólar “assustou” o mercado, a pergunta que todo o mundo está fazendo é: o dólar pode subir mais? A resposta é: infelizmente, sim.
Depois de ter batido o recorde histórico na véspera, o dólar comercial galgou a inesperados R$ 4,274 nesta terça-feira (26) com falas do ministro da Economia, Paulo Guedes sobre câmbio e AI-5.
Foram necessárias duas atuações mais fortes do Banco Central (BC)–sim a autoridade fez dois leilões de venda de dólares à vista em um mesmo dia sem avisar o mercado, nas quais usou reservas internacionais–, para esfriar a moeda, que fechou nos R$ 4,24, com alta de 0,59%, ainda no maior valor nominal da história, mas longe das máximas do dia.
“Temo que pode passar de R$ 4,30, se tivermos algum movimento de aversão a risco”, disse José Faria Júnior, diretor da Wagner Investimentos, citando como exemplos que podem motivar o pessimismo um atraso na assinatura da “fase 1” do acordo comercial entre EUA e China ou a reunião do Fomc (o Copom dos EUA), que ocorrerá em 11 de dezembro, divergente com o pensamento do mercado. “Ou qualquer outro evento”, destacou.
“Então, se tivermos uma realização da Bolsa e busca por Treasuries (títulos do Tesouro americano), com o dólar a R$ 4,25, por que não subir para acima de R$ 4,30?”, questionou.
Em momentos de incerteza, os investidores se refugiam no dólar e nos títulos do governo americano, considerados ativos mais seguros.
Segundo o diretor da Wagner Investimentos, a razão para a possível escalada do dólar em caso de um evento externo é que o dólar ante o real está nas máximas, mas lá fora ante as moedas clássicas de países ligados a commodities (matérias-primas), como Austrália, Canadá e Nova Zelândia, não.
Motivos para a alta do dólar
De acordo com Faria Júnior, a tendência de alta do dólar ante o real vem desde abril de 2018, em linha com o movimento global.
Atualmente, a moeda está subindo mesmo com o risco-país em níveis quando o país tinha grau de investimento, um selo de bom pagador, e com perspectivas positivas para a economia em 2020. Mas o que explica a alta?
Existem os motivos externos, os mais importantes, e alguns internos, que foram agravados pelas declarações de Guedes nesta quinta à noite em Washington.
“Somente após a reversão da tendência de alta do dólar (a nível global) e a volta de entrada de dólares aqui, com o consequente desarme da posição dos estrangeiros na B3, é que teremos dólar mais fraco. Teremos que nos habituar, como disse Paulo Guedes, a termos um dólar mais forte”, segundo Faria Júnior.
Confira abaixo motivos para a alta do dólar:
1. Paulo Guedes ‘confortável’ com o dólar alto e AI-5
O mais novo motivo foram as falas de Guedes em entrevista coletiva na embaixada brasileira em Washington, nos EUA. Na noite desta segunda-feira (25), o ministro disse não estar preocupado com o dólar em níveis recorde.
“O dólar está alto. Qual o problema? Zero. Nem inflação ele (dólar alto) está causando. (…). É bom se acostumar com juros mais baixos por um bom tempo e com o câmbio mais alto por um bom tempo”, disse ele em entrevista na embaixada brasileira em Washington, capital americana, onde participou do Fórum de Altos Executivos Brasil-EUA.
Segundo o ministro, o dólar em patamares mais elevados é reflexo do ajuste fiscal que o governo está fazendo, combinado com taxas de juros mais baixas. “Quando você tem um fiscal mais forte e um juro mais baixo, o câmbio de equilíbrio também ele é mais alto”, afirmou.
Além disso, o ministro também condenou os discursos do ex-presidente Lula da Silva, que falou em polarizar o país ao deixar a prisão. Guedes classificou Lula como “irresponsável” e vê o petista chamando “todo mundo para quebrar a rua”. Na coletiva, o ministro disse a jornalistas que “não se assustem se alguém pedir o AI-5” diante desse cenário.
O Ato Institucional Nº5 foi um instrumento da ditadura militar editado em 1968 que fechou o Congresso e cassou as liberdades individuais.
A fala assustou o mercado. “Não gostei da entrevista. Estou preocupado”, disse um analista de mercado, que preferiu não ser identificado. Para outro, o ministro “acabou exagerando na dose (…) ao remoer a infeliz declaração de Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5”.
2. Guerra comercial EUA-China e exportações brasileiras
As incertezas em relação à guerra comercial entre EUA-China, que vem penalizando as economias do mundo todo, são o principal motivo que têm feito os investidores se refugiaram no dólar em um movimento global de busca por segurança, o chamado “Fly to quality” (“voar para a qualidade”).
A guerra de tarifas vem desacelerando as economias e as exportações. O Brasil tem registrado queda nas vendas ao exterior, outra razão que tem puxado o dólar.
3. ‘Carry trade’
Outro motivo que também está “afugentando” o investidor estrangeiro, elevando o dólar, é a diminuição do interesse pelo chamado “carry trade” (quando se pega dinheiro em um país que paga uma taxa de juros mais baixa, como os EUA, e se aplica a quantia em outro destino que pague retornos maiores (caso de emergentes, como o Brasil).
Com a queda da taxa Selic, que não tem sido acompanhada por cortes na mesma magnitude pelo Fed (Banco Central dos EUA), aumenta o diferencial dos juros americanos para o brasileiro, e o investidor prefere ficar com o dinheiro lá em vez de migrar o capital para outros mercados, que apesar de pagarem juros maiores também são mais arriscados.
A volta do investimento virá se o estrangeiro deixar de olhar o Brasil como um país de juros altos–já que a Selic deve cair a 4,50% ao ano– e passar a aplicar em investimento produtivo no país.
4. Leilão do pré-sal e fluxo de capital negativo
A falta de fluxo de capital ao país está também impulsionando a valorização do dólar.
A recente alta do dólar começou após a decepção com os leilões de petróleo do pré-sal, no início de novembro, com a fraca participação de empresas estrangeiras, que puxou a divisa acima dos R$ 4.
Antes, a moeda se encaminhava para cair abaixo de R$ 4, após a aprovação da reforma da Previdência, uma das condições dos estrangeiros para voltarem a investir no país.
O mercado esperava um fluxo de capital ao país na ordem dos US$ 25 bilhões que acabou não acontecendo. Sem entrada de dólares, o real se enfraquece.
Também as privatizações não ocorreram no ritmo esperado, que acabaram por deixar o real mais fraco, já que não entraram os dólares previstos dos investidores estrangeiros.
Também a economia brasileira não cresceu o esperado, e deve fechar o ano com alta de apenas 1%.
Além disso, nesta época também costuma pressionar o dólar a tradicional remessas de lucros das multinacionais ao exterior, que explica parte da saída dos dólares do país.
5. Turbulências no Chile, Bolívia e Hong Kong
A alta foi agravada pelo aumento das turbulências políticas e sociais no Chile e na Bolívia. Os protestos chilenos enquadraram o presidente Sebastián Piñera, que aceitou iniciar um processo para mudar a Constituição, algo que o mercado não quer nem ouvir falar. Passou a aumentar o receio de que o mesmo poderia acontecer em outros países da América Latina, como o Brasil.
Também os protestos pró-democracia em Hong Kong passaram a preocupar o mercado, que passou a ter receio de que as manifestações poderiam azedar as relações entre EUA e China e acabar por afetar as negociações para um acordo para pôr fim à guerra comercial.
6. Posição comprada dos estrangeiros no dólar na B3
Segundo Faria Júnior, o fato dos investidores estrangeiros estarem comprados no mercado futuro de dólar em R$ 30 bilhões desde maio de 2018 também explica a alta da divisa.
Na posição comprada, o investidor ganha com a alta da moeda americana.