O Parlamento britânico está reunido neste sábado, no que já é considerado pela mídia de “Super Sábado”, para debater e votar o novo acordo para o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), que foi negociado pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e já teve o aval dos 27 membros da UE última na quinta-feira (17).
É a primeira vez em 37 anos, desde a Guerra das Malvinas em 1982, que a chamada Câmara dos Comuns se reúne a um sábado. A sessão extra visa cumprir a “Lei Benn”, oficialmente conhecida como Lei da Saída da União Europeia (n.º 2, de 2019), a qual determina que a Casa precisa de aprovar um acordo ou autorizar uma saída sem acordo até 19 de outubro, ou solicitar uma extensão do processo de saída da UE.
A indefinição do Brexit tem mexido com o mercado financeiro no mundo inteiro, inclusive no Brasil.
A sessão começou por volta de 9h30 da manhã (5h30 no horário de Brasília), sendo iniciada com um discurso do premiê. Em sua fala, Johnson disse ser “urgente” solucionar de uma vez por todas a questão do Brexit para sarar a “divisão na política britânica”. Atrasar o Brexit, segundo ele, seria “inútil, custoso e destrutivo”.
“Agora é hora desta ótima Câmara dos Comuns se una e faça o país se unir hoje, como eu acredito que as pessoas em casa torçam e esperam”, disse Jonhson.
Após a discussão de uma série de emendas, algo que pode se prorrogar por horas, o texto do acordo será colocado em votação. Do lado de fora do Parlamento, milhares de pessoas protestam para que um novo referendo para a saída britânica seja realizado.
Quem pode apoiar Jonhson
Ao todo a Casa possui 650 parlamentares, sendo que 11 deles não votam, incluindo sete do Sinn Féin , da Irlanda do Norte, que não ocupam seus assentos apesar de terem direito a eles, além dos quatro integrantes da mesa. Dos 639 restantes, Johnson necessita 320 votos a favor para conseguir a aprovação, mas desde o começo de setembro não tem maioria.
Do seu lado pode contar–em tese–com 287 votos do Partido Conservador, já incluindo o grupo de eurocéticos “espartanos”, formado por 28 parlamentares. Em tese eles devem votar com Jonhson, mesmo defendendo uma visão mais dura para o Brexit.
Com isso, ele precisa arrancar votos de 33 parlamentares. Dez parlamentares, que são do Partido Democrático Unionista da Irlanda do Norte (DUP), base do governo, já avisaram que não vão votar com Jonhson. O DUP está descontente com a criação de uma fronteira aduaneira no Mar da Irlanda, pois considera que isso pode implicar que a Irlanda do Norte tenha um tratamento diverso ao da Grã-Bretanha, pondo em causa a integridade territorial do Reino Unido.
Assim, Boris vai depender do apoio dos eurocéticos e de deputados do Partido Trabalhista, a principal força da oposição. Entre os trabalhistas o premiê pode conseguir o apoio de 19 parlamentares, considerando um grupo que assinou carta prometendo apoiar um acordo, mesmo com a objeção formal do líder do partido, Jeremy Corbyn.
O primeiro-ministro também pode obter o apoio de 12 entre os 21 deputados que expulsou do grupo parlamentar, por terem votado a favor de que o Brexit não se acontecesse sem um acordo com a UE, segundo estimativas da rede de TV Sky News. Somados, são 31 votos, mas ele necessita de 33.
Emendas: o que foi proposto
O acordo do primeiro-ministro recebeu três emendas, que serão votadas neste sábado. Uma do deputado do Partido Nacionalista Escocês, Angus McNeil, que sugere em alternativa a revogação do Brexit; outra do líder parlamentar nacionalista escocês, Ian Blackford, que defende um adiamento para serem realizadas eleições legislativas. E a terceira foi submetida pelo antigo deputado conservador Oliver Letwin, a qual suspende a aprovação do acordo até ser validada pelo Parlamento a legislação que implementa o acordo.
Esta medida implicaria que a “Lei Benn” se mantivesse válida e obrigaria o primeiro-ministro a pedir uma extensão do processo do Brexit.
Há vários deputados que preferem aprovar esta emenda, o que obrigaria Boris Johnson a pedir um adiamento, apesar de ter o acordo de saída aprovado. Seria uma meia-vitória para o primeiro-ministro e neste cenário a União Europeia dificilmente iria rejeitar um novo adiamento do Brexit.
Saída sem acordo também pode ser votada
O governo tem preparada uma segunda proposta para o caso de perder a votação, a qual pede consentimento aos deputados para uma saída sem acordo, e à qual os trabalhistas Peter Kyle e Phil Wilson propuseram uma alteração para ser realizado um referendo confirmativo do acordo antes do Brexit.
Caso Boris consiga ver o acordo aprovado sem qualquer emenda, faltará ainda uma maratona no Parlamento para que seja possível o Reino Unido sair da UE a 31 de outubro. O Governo e os deputados terão de correr contra o tempo, sendo que na segunda-feira (21) já haverá leis para aprovar no Parlamento.
O acordo
No essencial, o acordo de Jonhson é semelhante ao alcançado há um ano por sua antecessora Theresa May, que renunciou após o Parlamento rejeitar por três o acordo que firmou com a UE, mantendo os direitos dos cidadãos inalterados bem como o quadro legal das aplicações financeiras.
A maior diferença surge na criação de um estatuto “especial” para a Irlanda do Norte, que é parte da Grã-Bretanha. A República da Irlanda é um país independente que faz parte da União Europeia. Neste, desaparece o polêmico mecanismo de salvaguarda para impedir uma fronteira física entre as duas “Irlandas” (backstop), o que garante que o Reino Unido não fica indefinidamente “preso” às regras da UE e que tal cláusula não fica condicionada à assinatura de um novo acordo de livre comércio.
Ficou acordado que os controles alfandegários e regulatórios de produtos comercializados entre os britânicos e os norte-irlandeses seriam realizados no Mar da Irlanda. Com isso, a Irlanda do Norte se mantém no território aduaneiro do Reino Unido, apesar de ficar alinhada com as leis da UE que facilitam o movimento de mercadorias na ilha inteira, introduzindo processos aduaneiros e fiscais para quando estejam em causa trocas comerciais com países terceiros.
Um comitê do Reino Unido e da UE vai decidir quais mercadorias da Irlanda do Norte serão taxadas.
Esta solução, contudo, vai não agradou ao DUP, que teme que o acordo deixe o país isolado— algo que poderá fortalecer o movimento de união das Irlandas.
*Com Agência Lusa e agências internacionais