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Com Trump, Macri, Maia, UE e Previdência, dólar fecha agosto na maior alta mensal em 4 anos

Agravamento da guerra comercial, crise na Argentina, suspeitas contra articulador das reformas, temor de recessão global, aversão aos emergentes e atraso da proposta previdenciária são alguns dos motivos que levaram a moeda a acumular avanço de 8,50% no mês

Bárbara Leite

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Moeda americana só não subiu mais do que no mês em que o Brasil perdeu o selo de bom pagador-Foto: Pixabay

Agosto foi de desgosto para o dólar. A moeda americana acumulou uma alta de 8,50%, a maior para um mês desde setembro de 2015, quando a divisa avançou 9,09% depois do Brasil perder a classificação grau de investimento, o chamado selo de bom pagador, pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s, e depois pela Moody’s. 

O dólar chegou a bater, durante um pregão, o recorde histórico de R$ 4,1957. No final, terminou agosto nos R$ 4,142, “ajudado” pela queda de 0,71% desta sexta-feira (30) e pela atuação mais forte do Banco Central (BC), que usou suas reservas internacionais nos últimos nove dias pela primeira vez em 11 anos, para injetar liquidez no mercado e segurar a alta.

“Este foi um mês bastante conturbado. O grande protagonista foi o Trump. Não nos podemos esquecer que foi o mês em que a Argentina quebrou e do atraso da reforma da Previdência. A demora do parecer da reforma no Senado não foi notado pelos investidores locais, mas foi totalmente percebido pelos investidores estrangeiros, que saíram batendo em retirada daqui”, avaliou Pablo Spyer, diretor de operações da Mirae Asset e colunista do Economia Bárbara.

No começo do mês, havia a expectativa do dólar cair abaixo da barreira dos R$ 3,80 e caminhar para fechar o ano no intervalo entre R$ 3,60 e R$ 3,70. Mas o que se viu foi uma inversão das estimativas. Tony Volpon, economista-chefe do UBS e o que mais tem acertado projeções econômicas, passou a ver o dólar em R$ 4 no fim do ano, contra previsão de R$ 3,80 anteriormente.

E quem botou “água no chope” dos investidores? Foi ele, o presidente tuiteiro dos EUA, Donald Trump. No dia 1º, anunciou uma nova leva de tarifas à China, previstas para setembro. A previsão era taxar em 10% mais US$ 300 bilhões em produtos chineses exportados para os EUA, mas entre mordes e assopras, parte da tarifação foi adiada para 15 de dezembro, com isenção para eletrônicos, roupas, calçados e brinquedos, para “não estragar o Natal” dos americanos.

A China demorou, mas respondeu a Trump quase três semanas depois, impondo novas taxas aos produtos americanos para as mesmas datas, retaliação à qual o líder americano contra-atacou e anunciou aumento das alíquotas. E neste vaivém de tensões comerciais, o mercado passou a temer uma recessão à escala global, depois de dados da China, dos EUA, da União Europeia e da Alemanha mostrarem que a guerra comercial já fez estragos às empresas e às economias.

Os receios de uma recessão foram agravados por uma sinalização vinda do mercado de renda fixa dos EUA: as taxas dos papéis do Tesouro de curto prazo têm ficado acima das de longo prazo, o tipo de “inversão de curva” que, se persistir, precede recessões anteriores dos EUA. As últimas sete recessões foram precedidas desse movimento da curva. É um sinal de que a economia, a longo prazo, vai crescer muito pouco.

Também rondou a cabeça dos investidores uma volta de uma guerra cambial, depois que o yuan, a moeda chinesa, sofreu desvalorização para um mínimo histórico, com o mercado e Trump achando que o enfraquecimento era para obter vantagens competitivas e deixar seus produtos, que serão taxados, mais baratos. A China desmentiu e tem sinalizado que não ter uma moeda fraca, mas não escapou de ser chamada de “manipulador de câmbio” pelo presidente dos EUA.

Argentina: resultado surpresa da eleição trouxe pânico

O mês também teve o Lunes Negro (segunda-feira sangrenta) na Argentina, com a Bolsa despencando e o dólar disparando, reagindo ao resultado surpresa das eleições prévias presidenciais do dia 11, que indicou que o atual presidente, o liberal Mauricio Macri, tem chances quase nulas de se reeleger. No seu lugar deve ficar o candidato da oposição e de esquerda, Alberto Fernández, que tem a ex-presidente Cristina Kristchner como sua vice.

Para tentar reverter o resultado das urnas, Macri lançou um pacote de medidas, com redução de impostos e subsídios à população.

O temor com a volta de políticas populistas à Argentina fez o peso argentino desvalorizar quase 30%, mesmo com a atuação forte do BC local para segurar a alta do dólar. Com a queda, o governo pediu nesta semana para adiar pagamentos de empréstimos ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outros credores privados, no que está sendo chamado de “moratória branca”.

Diante desse cenário, fundos argentinos têm corrido para o Brasil para tomar dólares, o que tem pressionado o real aqui. Também uma piora da economia local respinga no Brasil, que é seu principal parceiro. Além disso, uma aversão ao risco mundial bate mais forte nos países emergentes, com a América Latina saindo mais penalizada pela questão argentina.

União Europeia: Brexit, recessão alemã e crise política na Itália

A Europa também ajudou a trazer mais pressão sobre o dólar. Frustração com dados econômicos europeus e o anúncio de que a Alemanha entrou em recessão no segundo trimestre desagradaram aos investidores. Quando economias mais fortes vão mal, países como o Brasil sentem uma queda nas exportações.

Também houve a tomada de posse do novo premiê britânico, Boris Jonhson, que já disse que o Reino Unido sai da União Europeia (no chamado Brexit) mesmo sem acordo quanto aos termos do “divórcio”. O país pode ficar sem comida, alimentos e combustível por semanas, impactando a Europa e o resto do mundo. O caos financeiro também pode ocorrer.

A Itália vive uma crise política, com a possibilidade da extrema direita chegar ao poder. O primeiro ministro Giuseppe Conte chegou a pedir demissão, após desentendimentos com a coalizão, mas foi formada uma nova coalizão nesta semana, e ele ficou no cargo.

Cena local: atraso na Previdência, suspeitas sobre Maia e PIB melhor que o esperado

O cenário local também não ajudou. O cronograma da reforma da Previdência atrasou em uma semana, com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) adiando a entrega do parecer, que veio com mudanças em relação à proposta já aprovada na Câmara.

Ele inclui alterações às pensões por morte e Benefício de Prestação Continuada (BPC) que podem desidratar a economia esperada em dez anos, dos previstos R$ 933,5 bilhões. Para compensar, sugeriu incluir em uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) paralela novas fontes de receita e Estados e municípios.

A Polícia Federal também concluiu que Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados e principal articulador das reformas do governo Bolsonaro, é suspeito de corrupção, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro no caso da Odebrecht. A denúncia ainda não foi apresentada, mas as suspeitas não agradaram o mercado.

Teve ainda a queda da popularidade de Bolsonaro, segundo pesquisa do CNT/CMA. Houve um salto da desaprovação ao desempenho pessoal do presidente Bolsonaro, que está em 53,7% em agosto, contra 28,2% em fevereiro.

Positivo apenas o resultado do Produto Interno Bruto (soma das riquezas produzidas em um país) do Brasil, divulgado nesta quinta (29), que afastou o cenário de recessão no segundo trimestre, previstos por vários analistas, e mostrou um crescimento maior do que o esperado. De abril a junho, o país cresceu 0,4%, depois de ter caído 0,1% nos primeiros três meses do ano.

BC faz operação inédita para segurar dólar

Um sinal de que agosto foi bem negativo foi a decisão do BC em vender dólares à vista, usando as reservas internacionais do país, para injetar dinheiro no mercado e segurar a alta. A última vez que essa operação ocorreu foi em 2008, quando o país sentia os efeitos da crise financeira global, após a quebra do banco americano Lehman Brothers. As reservas cambiais brasileiras somam cerca de US$ 380 bilhões. 

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