Inflação galopante, índices de pobreza e de desemprego nas alturas, uma moeda desvalorizada. São alguns indicadores que dão a dimensão da forte crise econômica que atinge a Argentina, que deverá se agravar com os acontecimentos nos últimos dois dias.
Para surpresa do mercado, neste domingo (11), o liberal Mauricio Macri, atual presidente do país, eleito em 2015, para tirar a economia do atoleiro e devolver o poder de compra à população, foi derrotado, por ampla vantagem, numa votação que sinaliza que ele terá poucas chances de se reeleger nas eleições presidenciais, que acontecem no dia 27 de outubro.
Ele perdeu justamente para o rival de esquerda, Alberto Fernández, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como vice, e que defende a volta de medidas populistas e protecionistas.
A derrota caiu que nem uma bomba no mercado financeiro nesta segunda (12), levando a Bolsa argentina a registrar o segundo maior tombo da história das Bolsas mundiais, só perdendo para o Sri Lanka, em 1989, quando o país vivia uma guerra civil.
O peso argentino despencou 30%, o que fez o Banco Central local elevar seus juros básicos dos atuais, já altos, 63, ao ano para 74% ao ano. A iniciativa, que visa evitar uma fuga de capital, pode afetar mais o consumo, as indústrias e afastar investimentos, podendo gerar mais desemprego. A baixa reserva de dólares do país é um problema que tem acentuado mais as crises no vizinho, já que o país possui pouco arsenal para contrariar uma desvalorização da sua moeda diante de uma debandada geral.
O mercado teme que um presidente à esquerda tire o pé no controle das contas públicas e da inflação, o que poderia piorar ainda mais a crise, ao corroer salários das famílias, reduzir consumo, afastar investimentos, gerando mais desemprego e elevando os níveis de pobreza.
Macri foi eleito justamente para melhorar a economia, prometendo “Inflação Zero”, mas suas políticas não surtiram efeito. Ele optou por consertar as contas públicas, com controle de gastos, e medidas para segurar a inflação, com juros altos, além da volta da Argentina ao financiamento externo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Também eliminou impostos de importação e os subsídios à eletricidade e ao gás. O déficit aumentou, o peso continuou desvalorizado e não houve controle da inflação. O governo voltou a se financiar com dívida externa, que cresceu brutalmente.
Em abril, o presidente adotou um pacote eleitoreiro, nada liberal, congelando os preços de cerca de 40 commodities (matérias-primas)–aliás, a principal atividade do país é a venda de commodities, representando 60% das suas exportações. O objetivo era segurar a inflação, mas ela continua disparada, em expressivos 55,8%. Voltaram os subsídios de tarifas públicas e alguns impostos de importação.
Segundo os dados mais recentes do Indec, o “IBGE argentino”, no primeiro trimestre de 2019, 34,1% da população estava abaixo da linha de pobreza e 7,1% eram considerados indigente; um ano antes, eram 25,5% em situação de pobreza. O desemprego está em 9,1%. Já a taxa de emprego informal beira os 40%.
A economia, porém, deve até ter uma queda relativamente pequena diante da dimensão da crise, na casa de 1,3% em 2019, ajudada pelo desempenho do setor agrícola e da venda de gado ao exterior, que se beneficiaram de uma melhora no clima e dos US$ 56 bilhões em empréstimos que a Argentina recebeu do FMI, quando fechou o plano de resgante em junho de 2018.
As contrapartidas exigidas pelo fundo para conceder o crédito, como segurar reajustes de servidores e aposentados, foram apontadas como motivos para a derrota de Macri neste domingo. Seus opositores já prometeram aumentos nas pensões e salários à custa de reduzirem os pagamentos dos juros da dívida ao exterior, tudo o que o mercado não queria ouvir–elevando os receios de uma moratória, como a que aconteceu em 2001.
Como isso pode atingir o Brasil e o meu bolso?
Atrás de China e dos EUA, a Argentina é o terceiro maior importador de produtos brasileiros. Portanto, uma piora econômica na vizinha deve afetar as exportações brasileiras. Empresas que vendem menos ao exterior, a não ser que consigam escoar seus produtos para o mercado interno ou para outros mercados, tendem a reduzir a produção, e por consequência, demitir pessoal ou segurar novas contratações. Ou seja, uma piora lá pode afetar o emprego aqui.
A indústria brasileira já vem sentido a crise na Argentina, sobretudo os setores automotivo e de calçado. No ano, a exportação de carros tem tombo de 45% devido à retração das compras da Argentina. No geral, no primeiro semestre, as importações argentinas de produtos brasileiros recuaram 41,7%, caindo para US$ 5,3 bilhões.
O número de turistas também deve cair, o que diminuirá o turismo no Brasil. A região sul, mais dependente dos argentinos, tende a ser a mais afetada. Poderá, então, haver um freio em contratações, em especial, as temporárias. Se a crise for longa, há o risco, no limite, de unidades hoteleiras e restaurantes, por exemplo, fecharem seus negócios, afetando toda uma cadeia e os empregos ligados a essas atividades.
Fora isso, o Brasil e o bolso dos brasileiros podem ser afetados por uma aversão ao risco geral, em particular, aos emergentes, que, como vimos nesta segunda, puxa o dólar, encarecendo importados impactando desde alimentação (rações de frangos e suínos ficam mais caras, por exemplo, com o dólar alto) até às tarifas da conta da luz.
Esse afastamento do capital pode gerar inflação no Brasil, elevar os juros, deixando o crédito mais caro, penalizando o orçamento de famílias e empresas, que, no limite, poderiam também reduzir vagas e salários.
Há também a questão do pão francês, já que o Brasil importa 10 milhões de toneladas de trigo da Argentina todo o ano e possíveis altas dos preços por lá podem impactar no custo nas padarias brasileiras.
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