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Regime de partilha e falas de ministro: veja o que explica o fracasso dos leilões do pré-sal

Os certames da semana passada, que poderiam tornar o Brasil no quinto maior produtor mundial de petróleo, frustraram as expectativas de arrecadação devido à ausência das grandes empresas privadas do exterior; entenda os motivos que “afugentaram” as estrangeiras

Bárbara Leite

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Brasil produz 3,3 milhões de barris de petróleo por dia; com os leilões, a expectativa era subir a 7 milhões- Foto: Divulgação

A semana de dois leilões do petróleo do pré-sal que era para pavimentar o caminho para o Brasil virar o quinto maior produtor de petróleo do mundo, passando da produção de 3,3 milhões de barris diários para 7 milhões, acabou com certames esvaziados das grandes empresas privadas estrangeiras do setor, nos quais, como apontou o ministro da Economia, Paulo Guedes, “vendemos para nós mesmos”. Mas, afinal, o que deu errado? O que explica por que praticamente apenas a Petrobras tenha participado dos leilões?

Na quarta-feira (6), no chamado megaleilão da cessão onerosa, a estatal brasileira arrematou duas das quatro áreas oferecidas pelo governo. Na maior delas, no campo de Búzios, a estatal brasileira formou consórcio com duas estatais chinesas – CNODC e CNOOC – mas lidera a nova empresa, com 90%; as petroleiras da China terão apenas 5% cada uma. Juntas vão pagar R$ 68,2 bilhões para explorar a maior área de petróleo já descoberta no país. O outro bloco vendido nesse dia foi o de Itapu, que será explorado apenas pela Petrobras, com pagamento de R$ 1,7 bilhão. Os outros dois blocos–Sépia e Atapu– não tiveram interessados e ficaram “encalhados”.

Entre as 11 petroleiras estrangeiras inscritas– as americanas Chevron e ExxonMobil, a colombiana Ecopetrol, a norueguesa Equinor, a portuguesa Petrogal, a malaia Petronas, a QPI, do Catar, a anglo-holandesa Shell, a alemã Wintershall Dea e as chinesas CNODC e CNOOC, nove preferiram não participar da concorrência. A britânica BP e a francesa Total estavam habilitadas, mas anunciaram a sua desistência dias antes.

Na quinta-feira (7), pela 6ª Rodada de Partilha do Pré-Sal, o mesmo cenário: dos cinco blocos, quatro ficaram “encalhados”. Apenas Aram, o mais atraente do certame, foi arrematado, novamente pela Petrobras, que desta vez, fez parceria com a chinesa CNODC, e terá 80% do consórcio; os restantes 20% ficaram com a estatal da China.

Para o certame de quinta, estavam 17 empresas habilitadas, número recorde. Além das estrangeiras do leilão da cessão onerosa, podiam participar também a americana Murphy e as espanholas Repsol e Cepsa.

A falta de ofertas para os restantes quatro campos de petróleo no leilão de quinta surpreendeu até o diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Décio Oddone, já que a Petrobras havia manifestado preferência por outros dois blocos: Sudoeste de Sagitário e Norte de Brava.

No balanço geral, a União vai arrecadar R$ 75,46 bilhões com os dois leilões ou 66% dos R$ 114,3 bilhões esperados. Desse valor, a Petrobras vai pagar R$ 67,54 bilhões para explorar os campos arrematados, mas como tem a receber R$ 34,1 bilhões por já ter explorado os campos desde 2010, vai desembolsar R$ 33,44 bilhões por seu “protagonismo” nos leilões.

As chinesas responderão pelos restantes R$ 7,92 bilhões que serão pagos à União. As chinesas já eram apontadas pelos analistas como potenciais parceiras da brasileira, uma vez que ambas têm dinheiro, detêm 10% cada no bloco de Libra, próximo ao de Búzios, e preferem ter participações não operacionais.

Se bem-sucedidos, os leilões poderiam levar o Brasil da 12ª posição à quinta posição entre os maiores produtores do mundo, atrás apenas dos EUA, Rússia, Arábia Saudita e Irã.

Confira abaixo os motivos que “afugentaram” as estrangeiras dos leilões do pré-sal:

1.Regime de partilha

Os dois leilões foram realizados sob o regime da partilha, e não no modelo de concessão. Neste regime, o governo estabelece um valor fixo (o chamado “bônus de assinatura”). Quem quiser competir tem que pagar aquele valor.  A concorrência acontece não no bônus, e sim no percentual de barris produzidos (descontados os custos) que o investidor está disposto a dividir com a União. Ou seja, o dono do petróleo é a União e a empresa ficará sujeita ao risco de diversas mudanças de governo ao longo da vida do projeto.

Segundo Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), o regime de partilha tem um segundo problema, que é a PPSA, a estatal criada para receber a parte da União e que participa do comitê gestor dos campos. Ela fiscaliza se o operador do campo não está lesando a União e pode vetar o plano de investimentos, o que aumenta a incerteza.

2. Preferência da Petrobras

Aliado ao modelo de partilha, também foi introduzido nos leilões, outro fator que pode explicar a ausência de apetite estrangeiro: o direito de preferência da Petrobras. A estatal pode exercer seu direito para atuar como operadora dos blocos ou líder do consórcio responsável pelas áreas e deter ao menos 30% de participação na empresa vencedora.

Nas licitações desta semana, pediu para ser a operadora nos dois blocos mais interessantes– Búzios (quarta) e Aram (quinta)–, além dos campos de Itapu, Sudoeste de Sagitário e Norte de Brava, apesar de não ter oferecido propostas para estes dois últimos.

Esse direito afeta por duas razões: por um lado, as estrangeiras no leilão da cessão onerosa se questionaram por que a estatal que, já conhecia os quatro campos, só pediu para ser a operadora em dois deles (uma sinalização de que os outros poderiam ter menos interesse econômico), e por outro, não permitia que as estrangeiras, mesmo que quisessem, fossem as operadoras dos blocos.

Esse foi o motivo apontado pela francesa Total pela sua desistência: não liderar a exploração das áreas.

3. Bônus muito caro

Além do modelo e da preferência da Petrobras, o bônus de assinatura foi considerado muito elevado, apesar do leilão de quarta, o da cessão onerosa ter baixo risco exploratório, já que a Petrobras já havia perfurado vários poços e, em alguns casos, como o de Búzios, já está até a produzir petróleo.

“Todas as principais empresas estão focadas na disciplina de capital e valor versus volume. Eles não farão lances a qualquer custo pelos ativos do pré-sal ”, disse Marcelo de Assis, chefe de Upstream para América Latina da consultoria Wood Mackenzie.

O campo de Sépia, por exemplo, tinha bônus de R$ 22,859 bilhões, um bloco que a estatal nem havia exercido o direito de preferência.

4. Compensação à Petrobras

 O leilão da cessão onerosa esbarrou em outro problema. Além de ser indenizada pela União com R$ 34,1 bilhões por ceder o direito da estatal vender o petróleo excedente existente nos blocos, a Petrobras teria de ser compensada pelas empresas vencedoras, após o leilão, por investimentos já realizados na região.

A Petrobras já tem direitos para desenvolver até 5 bilhões de barris de óleo equivalente na região da cessão onerosa.

As negociações teriam começado antes da licitação e a estatal teria exigido valores muito elevados.

Isso retraiu o interesse já os participantes teriam de participar da licitação sem saber o valor da compensação ou sabendo que os montantes seriam altos.

5. ‘Temos que avaliar’: a fala do ministro que ‘atrapalhou’ a 6ª Rodada

A retração do leilão de quinta também pode ser atribuída às declarações ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, de que poderia abandonar o regime de partilha.

“As áreas não arrematadas poderão ser relicitadas daqui a oito ou nove meses, em outro modelo de leilão. Vamos avaliar o porquê das grandes petroleiras não terem participado e ter um cenário, talvez, rever a metodologia para os próximos leilões”, afirmou o ministro após o leilão de quarta.

Com a hipótese levantada pelo governo, as empresas preferiram esperar a nova regra, e também não participaram da 6ª da Rodada.

* Com Brazil Journal

 



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